A Comissão de Ética da Presidência, CEP como chamamos, é órgão da mais alta relevância para a nação, porque auxilia o chefe do Poder Executivo Federal na gestão da ética pública federal.
A política com “p” minúsculo, que se desenvolve à margem das leis e do senso de justiça, está em patamar inferior ao da ética.[1] O mesmo pode ser dito a respeito da atuação dos agentes do Poder Executivo, em especial aqueles do alto escalão da administração federal que realizam a prestação de serviço público com letras minúsculas, dissociada do agir ético e probo.
Salientou o Conselheiro dessa Comissão, meu colega dr. Ruy Altenfelder, em artigo recente publicado em grande periódico nacional,[2] que não se pode cogitar sobre desenvolvimento econômico, social e político sem que sejam levados em consideração princípios éticos e morais. Apenas o agir nesse sentido poderá produzir benefícios aptos a corrigir injustiças sociais, propiciando o bem-estar comum.
Na vida em sociedade o exemplo mais contundente e retumbante costuma ser aquele que vem das pessoas que exercem algum cargo com grau de hierarquia e gerência, seja dentro de um núcleo familiar seja na estrutura empresarial ou governamental.
Não por outra razão, em 1999 foi implementada a Comissão de Ética Pública e no ano seguinte o Código de Conduta da Alta Administração Federal, estabelecendo as diretrizes para o comportamento ético a todos aqueles que ocupam cargos de relevância e destaque na organização federal.
Para além da sua aplicação às autoridades que a ele se submetem diretamente, o referido Diploma funciona como baliza ética para os demais integrantes do funcionalismo público, uma vez que as comissões de ética locais estabelecem as suas normativas tendo como parâmetro o Código de Conduta da Alta Administração.
A CEP não age apenas de forma casuística analisando as denúncias de desvio ético que a ela são encaminhadas. A sua atuação é também consultiva, já que orienta as Comissões de Ética locais em casos de dúvidas quanto à aplicação dos seus Códigos próprios. Esse processo dialético entre a Comissão de Ética da Presidência e as Comissões locais busca o aprimoramento das instituições e o conhecimento pelo diálogo. Não se busca a criação de um sistema ético fechado e punitivo, mas aberto, de modo a receber inflexões, com novos elementos, de acordo também com a experiência e o senso comum.[3]
A atuação da Comissão de Ética da Presidência da República leva também em consideração seus julgamentos anteriores, já que é nosso dever também manter uma orientação estável, íntegra e coerente, na esteira do que dispõe o caput do art. 926 do Código de Processo Civil, que se aplica supletiva e subsidiariamente ao processo administrativo, conforme estabelece o art. 15 do mesmo Codex.
Como ocorre com toda tentativa de regulamentação das atividades humanas, a legislação sempre se encontra um passo atrás da dinâmica e efervescente realidade. O mesmo ocorre com relação aos ditames de natureza ética previsto nos Códigos de Ética das Comissões locais.
Por mais recente que sejam, não possuem dispositivos que abarquem todos os comportamentos. Hoje, é necessário também analisar os atos típicos da era digital, como o uso de redes sociais e comunicadores instantâneos pelos agentes públicos, algumas vezes utilizados com propósito de provocar o debate ou em alguns casos, com objetivos escusos, de distorcer a realidade, de propiciar alguma vantagem indevida, declarada ou camuflada. Por esses motivos, cabe à Comissão de Ética Pública buscar orientar os agentes públicos e as comissões locais a respeito da linha tênue entre a opinião privada e a institucionalizada, entre a manifestação em conformidade com o agir ético ou não.
A Comissão de Ética pode ser ainda propositiva, uma vez que, em diversos casos em que a omissão legislativa pode gerar dúvida quanto ao agir ético escorreito, são elaboradas recomendações para que certos temas sejam regulamentados ou aperfeiçoados do ponto de vista normativo.
Como se pode perceber, a Comissão de Ética da Presidência exerce diversas funções em prol do agir ético na gestão pública federal.
A sua atuação coaduna-se com a busca pelo comportamento ético e escorreito que ocorre em diversas searas, entre elas o direito, como se verifica na Lei da Ficha Limpa, na Lei Anticorrupção e na crescente preocupação institucional com regras de compliance e mesmo no novo pacote de combate ao crime proposto pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Esse breve panorama, por si só, já sinaliza a transformação em curso na sociedade brasileira.
Mas, o que caracteriza e como pode ser conceituado o agir ético?
Sucintamente, é possível afirmar que essa indagação foi respondida de diversas formas, por variadas correntes filosóficas, ao longo dos séculos.
Para Platão o ético faria parte, assim como os demais conceitos, do mundo das ideias, que serviria de modelo para as ações terrenas e somente poderia ser alcançado pelo conhecimento e pela erudição.
O pensamento da era moderna distanciou-se dessa compreensão ao se voltar para a concepção aristotélica,[4] difundida na Idade Média, entre outros, por São Tomás de Aquino. Para essa vertente, base de diversas correntes atuais, cada individuo teria dentro de si, independente do seu nível intelectual ou social, a noção mínima do que é ou não ético.
Essa noção básica intrínseca seria exteriorizada e faria parte do consenso social do que é considerado ético. Essa reta razão fundamentaria a teoria das ações gerais e serviria de parâmetro para avaliação coletiva da higidez da conduta.
Essa percepção faz com que a ética deixe de ser um conceito pessoal e individualista para ser algo a ser buscado na esfera social, nos valores mínimos compartilhados em sociedade. Tal critério por se fundar na compreensão social, é mutável. O aceitável ou correto em um tempo e um lugar não o será caso qualquer um desses fatores se alterem. Por isso, que “a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano”.[5]
Nesse contexto, a Comissão de Ética Pública, ao analisar as condutas das autoridades superiores que integram o Governo Federal, deve sempre ter em conta o grau civilizatório da *nação e o desenvolvimento do ambiente ético no qual o agente está inserido quando da realização de atos, reprimindo as condutas desviantes e deixando de fazê-lo quando o comportamento se apresenta como socialmente aceitável. Tem também a importante missão propositiva e pedagógica, de orientar o Governo Federal quando não existir norma clara e houver divergências quanto ao agir ético escorreito; daí a elaboração de recomendações para que temas sensíveis sejam melhor regulamentados ou mesmo aperfeiçoados.
Somente assim a Comissão de Ética da Presidência da República cumprirá com o seu objetivo de preservar os valores éticos mais caros à atual sociedade brasileira.
[1] Eros Roberto Grau, “Classe política”, in Revista da Associação dos Advogados de São Paulo, v. 37, n. 135, p. 32–35, out., 2017.
[2] Ruy Altenfelder, “Desenvolvimento sem burocracia”, in Jornal Correio Braziliense, Brasília, 20.02.2019, quarta-feira, caderno opinião, p. 13.
[3] V. sobre sistema aberto, Ivan Guérios Curi, “A ideia de sistema no direito – Um dilema para (re)pensar”, in Liber Amicorum, António José Avelãs Nunes, Coimbra-São Paulo, Coimbra editora, 2009, esp. p. 485.
[4] Ética a nicômaco, 4ª ed., Brasília, Editora UnB, 1098b-1119b, p. 25-69. Para Aristóteles, toda a racionalidade prática objetiva um fim (ou “bem”). A Ética tem de determinar o fim supremo (summum bonun), que é a felicidade (eudaimonia) que, por sua vez, não consiste nos prazeres, nas riquezas ou nas honras, mas na vida virtuosa. E virtude esta no justo meio entre os extremos e será encontrada quando se tem prudência (phronesis) e pelo seu exercício. Na Grécia antiga, virtude está ligada à ideia de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato e seu aperfeiçoamento se dá com o hábito.
[5] Adolfo Sanches Vázquez, Ética. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 23.
Paulo Henrique dos Santos Lucon é Presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Livre Docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, instituição na qual também se graduou, e é Professor Associado dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação.