Vladimir Passos de Freitas: “Administração da Justiça se faz com profissionalismo e especialização”

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Por Vladimir Passos de Freitas

O mundo contemporâneo exige cada vez mais eficiência dos serviços públicos e o Judiciário não está fora desses anseios. A sociedade quer segurança jurídica, transparência e julgamento em prazo razoável. Evidentemente, isto não pode ser alcançado repetindo-se as práticas cartorárias dos tempos de Rui Barbosa.

O Conselho da Justiça Federal, órgão vinculado ao Superior Tribunal de Justiça, percebeu bem esta tendência e de 2000 a 2005 realizou cinco congressos internacionais, reunindo o que havia de melhor no mundo. A partir dali os tribunais da União e dos estados começaram a melhorar as suas práticas.

Mas, de lá para cá, as mudanças do mundo, em especial a globalização, tem feito com que a Justiça seja pressionada a adaptar-se mais velozmente. Em alguns aspectos ela vem tendo sucesso. Por exemplo, as audiências para ouvida de testemunhas, agora feitas por vídeo conferência, acabando com a secular chicana de arrolar testemunhas em locais distantes para alcançar a prescrição.

Mas, em alguns pontos o Judiciário continua estagnado. A especialização de varas, câmaras ou turmas avança a passos de tartaruga. A prestação de serviços voluntários só foi implantada em cerca de 20% dos 91 tribunais brasileiros. Raros são os que tem estratégias de efetiva comunicação com a sociedade. Poucos se preocupam com a jurimetria, que pode auxiliar no tempo de duração dos processos.[i]

Fácil é ver que é preciso desbravar esta nova área do conhecimento, qual seja, a administração judicial. Ela, tal qual a administração hospitalar, necessita de profissionais especializados, graduados em gestão pública e com cursos de pós-graduação a nível de mestrado e doutorado.

Já é chegado o momento do quadro de servidores da Justiça serem divididos em administrativos e judiciários, fazendo-se concursos distintos para carreiras distintas. Não faz sentido, com a mudança do presidente a cada dois anos, perder-se a experiência de reconhecidos profissionais de uma área que vão prestar serviços em outra, onde começam do zero.

Se assim não for, teremos sempre a administração judiciária sendo gerida por bacharéis em Direito, cuja formação é diversa e que, por exemplo, para decidir se um funcionário deve ter direito à remoção ou algo semelhantes, consultarão volumosos livros de Direito Constitucional, farão belos pareceres jurídicos, mas chegarão a conclusão equivocada em termos de administração pública.

Com os olhos postos nestes aspectos, que não são um problema exclusivo brasileiro, a International Association for Court Administration (IACA)[ii], formada, ao início, por profissionais do National Center for State Courts, centro de excelência em administração da Justiça, com sede em Williamsburg, Estados Unidos, vem promovendo estudos e troca de experiências na área.

Em setembro deste ano, 16 a 19, a IACA realizará sua 9ª Conferência Internacional, na cidade de Foz do Iguaçu (PR). Oportunidade única para os que se dedicam ao assunto, o evento trará profissionais de mais de 30 países, de todos os continentes.

As apresentações, com tradução simultânea, envolverão os mais atuais temas enfrentados pelo Judiciário ao redor do mundo. Na abertura, ministros de Cortes Supremas ou superiores narrarão a experiência em seus países. Em seguida virão as sessões. Algumas em Plenário, face ao interesse amplo que despertam, outras em painéis simultâneos, possibilitando aos presentes a escolha de tema de interesse específico.

Nas sessões plenárias teremos “A luta contra a corrupção em um mundo globalizado”, com o juiz Sérgio Moro, do Brasil, a “Corrupção dentro dos Sistemas Judiciais”, com José Igreja, vice-presidente da União Internacional de Magistrados e “Resolução de Conflitos Online”, com Colin Rule, Vice-Presidente da Online Dispute Resolution, Tyler Technologies, USA, a experiência do Banco Mundial e, ainda, juristas lusitanos falando sobre a consolidação do Estado de Direito nos países de língua portuguesa.

Nos painéis, representantes de diferentes países exibirão as soluções encontradas para suas dificuldades na administração da Justiça. Por exemplo, em “Boas práticas, fatores de risco e aprendizados com a implementação da gestão eletrônica do sistema de justiça de Ruanda…”, se saberá como naquele país africano se fez a integração eletrônica entre a Justiça e a Polícia, algo incipiente no Brasil.

A necessária conexão entre Judiciário e sociedade será objeto de palestra do juiz Márcio Bittencourt, do Pará, que adota técnicas de aplicação da Justiça em lugares remotos. Este tema interessa não apenas aos brasileiros, mas também a membros de países africanos e asiáticos, que, muitas vezes enfrentam, além do problema da distância, a existência de diferentes dialetos tornando a comunicação difícil (e.g., Moçambique tem 38 dialetos).

A educação judicial não poderia ficar fora. O professor Philip Langbroek, que ensina a matéria Administração da Justiça na Universidade de Utrecht, Países Baixos,narrará a sua experiência única. Estudantes de mestrado e doutorado, selecionados através de propostas aprovadas, terão oportunidade de expor suas propostas.

O juiz Eugene Teo discorrerá sobre “Educação e qualificação judicial na Corte do Estado de Singapura”, sabidamente país modelo em prestação da Justiça. “Retrospectiva sobre a progressiva evolução da educação judicial nos Estados africanos” será a fala de Maereg Gebregziabher, magistrado da Corte Suprema da Etiópia.

A efetividade, por óbvio, será objeto de análise. A experiência de Cuba, Guanajato (México) e Mendoza (Argentina), serão objeto de exposição por profissionais capacitados. Idem da Sérvia e de Buenos Aires eu exporão sobre “Administração judiciária e redução de atrasos nos países em desenvolvimento”. Ingo Kelitz falará sobre a exitosa experiência de Tribunais da Ucrânia e a consultora em Tribunais, Janet Cornell, sobre “Alta performance na liderança de Cortes”.

A infraestrutura dos tribunais terá painel próprio, com a participação do desembargador federal Fausto Martim De Sanctis e dos juízes federais Marco Bruno M. Clementino e Vánila Cardoso A. de Moraes. Abdulaziz Alsuhiaman, da Arábia Saudita comentará a transição do modelo manual para o digital naquele país.Estas são apenas algumas das exposições. Há outras tantas, com representantes do Sudão, Brasil, Sérvia, Argentina e outros países.

Também uma sessão inédita, coordenada pela juíza brasileira Luciana Zanoni , chamada “Pitsch”. Cuida-se de prática oriunda da iniciativa privada, na qual os expositores tem curto espaço de tempo para narrar sua experiência de sucesso (2 ou 3 minutos). Falarão pessoas da Polônia, Austrália, USA, Brasil, Dubai, Libéria e Letônia, dando mostras da amplitude dos debates.

Vê-se, pois, que o Brasil sediará evento de importância máxima na área, recebendo profissionais de alta qualificação, selecionados através de propostas apresentadas a uma Comissão de Educação e não por critérios políticos. O tema é de interesse geral, mas de relevância máxima aos que tem em mãos a missão de administrar a Justiça, ou seja, juízes e servidores.

É preciso abandonar o amadorismo, as indicações para chefias em razão de simpatia pessoal, a timidez provinciana nas inovações. Se os que tem em mãos o poder de aperfeiçoar o sistema não o fizerem, amanhã alguém, sem maiores conhecimentos, o fará e, certamente, de maneira pior. Avancemos, pois.

[i] Vide Associação Brasileira de Jurimetria, disponível em: https://abj.org.br/. Acesso em 29/6/2018.

[ii] www.iaca.ws. Acesso 29/6/2018.

 é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CONJUR

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