Existe uma notável Comissão de Juristas, instituída pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para reforma da Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92). Apesar da excelência dos juristas que compõem a comissão, entendo que não é o momento de se reformar essa lei, e sim de aplicar a jurisprudência já consolidada e de exigir maior unidade do Ministério Público.
A mudança frequente de textos legais traz insegurança jurídica e instabilidade jurisprudencial. Sabe-se que as verdadeiras regras nascem da jurisprudência e não dos textos abstratos. Há, inclusive, adoção da teoria dos precedentes no modelo brasileiro, pela sistemática do Novo Código de Processo Civil.
Desde a legislação infraconstitucional da Constituição de 1824, a improbidade é crime de responsabilidade. Apenas em 1988 ganhou uma dúplice dimensão: ilícito penal (crime de responsabilidade) e ilícito de direito administrativo sancionador.
O STJ bem delimitou essa natureza jurídica da improbidade definida no art. 37 da Constituição e regulamentada na Lei 8.429/92.
O saudoso ministro Teori Zavaski foi a maior referência do Judiciário brasileiro no assunto, aplicando, em seus votos, tanto no STJ quanto no STF, regras e princípios penais ao direito administrativo sancionador que preside as ações de improbidade administrativa.
O novo projeto traduz retrocessos e inspira preocupações. Elimina a improbidade culposa, por exemplo, embora o STJ exija culpa grave para responsabilizar gestores por danos ao erário, sem confundir culpa grave com meros erros corriqueiros. Ao suprimir a improbidade culposa, gestores que praticam graves condutas ineficientes poderão sair impunes, embora a tendência mundial seja punir erros grosseiros.
Sabino Cassese, célebre jurista italiano, sustenta que a corrupção nasce nos ambientes desorganizados e permeados por erros grosseiros. Ou seja, conceituar improbidade como espécie de má gestão pública permite punir erros grosseiros, além de graves desonestidades funcionais. Qual o motivo para nos tornarmos um país atrasado neste campo?
O projeto suprime inúmeros tipos sancionadores, sem justificativa plausível. Os reflexos dessas alterações podem soar imperceptíveis num primeiro momento, mas poderão impactar milhares de processos relevantes.
O projeto até consagra algumas obviedades que já estão na própria jurisprudência: “não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de interpretação razoável da lei, regulamento ou contrato”. Está correta a premissa, mas não é preciso engessar, pois a jurisprudência do STJ pacificou a tese de que nem toda ilegalidade se confunde com improbidade.
A Lei de Improbidade está inserida no microssistema de combate à corrupção. A Lei deve ser aplicada em conjunto com a Lei 12.846/13, e com leis penais, permitindo-se, atualmente, colaborações premiadas, acordos de leniência e termos de ajustamento de conduta, sem qualquer necessidade de alteração legislativa.
Quanto ao direito ao ressarcimento por danos extrapatrimoniais, penso ser desnecessária e até nociva uma previsão expressa de um mandamento ja conquistado como regra jurisprudencial. Suscita, além disso, uma dúvida: antes era proibido? Somente agora com a previsão expressa do legislador se tornou possível?
Sem entrar aqui em minúcias, e ressalvando o esforço, a boa fé e a qualidade dos membros da Comissão de Juristas, entendo que não é o momento de se propor reforma da Lei de Improbidade Administrativa, e sim de reafirmar as garantias e direitos fundamentais consagrados na jurisprudência que se formou nestes mais de 25 anos de sua vigência.
Vale lembrar, finalmente, que instituições como o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União podem desempenhar funções normativas no sentido da coesão das atividades investigatórias e acusatórias do Ministério Público brasileiro.
Não é necessário qualquer retrocesso legislativo no combate à corrupção pública no Brasil.
Fábio Medina Osório é advogado e foi ministro da Advocacia-Geral da União