Em entrevista a “O Tempo” e à rádio Super Notícia, o jurista Fábio Medina Osório, presidente do IIEDE, defendeu a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil e cita falta de compromisso do Executivo
Em 2016, você deixou a Advocacia Geral da União (AGU) fazendo declarações graves, dizendo que o governo Temer tentava barrar a operação Lava Jato. Você mantém essa opinião?
Naquele momento, fiz as declarações e houve uma correção de rumo pelo menos no que tange à AGU. O que houve com a minha sucessora é que houve um encaminhamento das ações que estavam represadas no STF. Pelo que me consta, a AGU pelo menos se estabilizou. Não acompanhei depois de perto, o estreitamento da atuação na Lava Jato entre a AGU e a força-tarefa, mas alcançaram as metas previstas. Mas havia um descompasso entre a agenda anticorrupção que se contemplava como necessária para o governo desempenhar e aquilo que o governo tinha como premissa, que era outorgar um combate à corrupção apenas para o Judiciário e para o MP. Politicamente, houve um equívoco do governo. Esse combate tem que estar no Executivo também, senão ele fica a reboque dos outros Poderes. Aí o Judiciário passa a comandar a agenda no país. O Executivo tem também instrumentos para combater a corrupção. Essa agenda anda a par e passo. É uma agenda que está junto da agenda econômica. Dizíamos isso para Temer. A agenda econômica e anticorrupção são complementares.
Que tipo de ação o governo formulou para tentar barrar a Lava Jato? E como um governo consegue atrapalhar as investigações de uma operação tão grande como a Lava Jato?
O governo na época não assumiu seu protagonismo no papel que a AGU pretendia desempenhar. Então, saímos com um conflito no mínimo político quanto à compreensão no papel da AGU. Agora, isso se reflete muito também no que diz respeito à agenda de corrupção do próprio governo. Basta notar que o desempenho desta atribuição na agenda do Brasil é conduzida por outras instituições, pelo MP, pelo Judiciário. Passam a comandar instituições do Executivo também, mas o governo deveria desempenhar de modo central as suas funções.
Isso acontece há mais tempo ou foi agravado durante governo Temer?
É uma questão histórica. Há uma omissão que vem se agravando. O Executivo vem se apequenando e outras entidades vêm assumindo esse protagonismo que deveria ser do Executivo. A Lava Jato é a maior operação de combate à corrupção e foi imprescindível para depurar as instituições, para trazer as vísceras da República. O próprio Executivo não conseguiu depurar suas mazelas, e ele tem instituições internas que poderiam ter feito esse combate. Foi necessário que instituições de controle externo atuassem com essa força.
Essas instituições não funcionam de forma proposital ou por falta de estrutura?
Penso que deve haver uma nova reflexão sobre a autonomia e a qualificação sobre os mecanismos e ferramentas de muitas atribuições do Executivo, e também a prevenção da corrupção. O fundamental é que pensemos que não é só o Judiciário nem o MP que são responsáveis pelo combate à corrupção e pela prevenção. Temos que dar autonomia às instituições internas do Executivo.
Seria o caso de mudar o modelo de escolha dos integrantes destas instituições internas? Passar de nomeações diretas para concursos?
Temos que avaliar os parâmetros de meritocracia, como estão funcionando efetivamente, a transparência no seu funcionamento, a fiscalização. Avaliar estas agências, o desempenho, fazer realmente um accountability e ter os controles funcionando. O que acredito é que a principal pauta que hoje deve orientar o governante é que a agenda econômica caminha com a agenda anticorrupção. Há inclusive um fenômeno mundial. Prisões de mandatários das nações têm sido constantes, já que o modelo anticorrupção tem sido aplicado mundo afora. Por que isso? Porque os investidores exigem segurança jurídica, e isso só com uma estabilidade política, sem denúncias.
Tivemos, recentemente, o episódio mais emblemático da Lava Jato, com a prisão e condenação de Lula. Partidos, movimentos e alguns juristas alegam ter havido excesso no julgamento. Qual a sua análise? Houve excesso?
Não sou advogado do processo. O que assisti foi o que a população também viu e penso que houve transparência neste transcorrer do julgamento. No meu modo de ver, não é correto debater esse tipo de julgamento com ataques espúrios às instituições. Um partido precisa respeitar as instituições e promover o debate jurídico e técnico. Se a condenação ocorreu, é preciso lutar técnica e juridicamente nos tribunais, por meio de recursos, e não dizer que a condenação é um golpe. Isso é inaceitável, assim como chamar o impeachment de golpe, com aquele governo usando sua estrutura para divulgar no mundo que o processo era um golpe, um absurdo. Dizer que só porque Lula sofreu a condenação nós não vivemos numa democracia é algo absurdo também.
Na sua opinião, há alguma seletividade na Justiça? Partidos e movimentos também reclamam deste viés.
A Lava Jato atingiu quem está no poder, mas também atingiu partidos de todos os matizes. Foi uma operação suprapartidária, afetou todos, a oposição, pegou PSDB, MDB, PP, pegou todos. Pegou o empresariado. Se há algo que se pode dizer é que a Lava Jato não teve um caráter partidário. Foi impessoal. Isso não significa que não houve erros, abusos ou equívocos, mas cada caso concreto tem que ser avaliado com muito cuidado. A Lava Jato veio para depurar, para ser uma referência. O conceito de força-tarefa, de integração interinstitucional, isso não equivale dizer que não possa ter havido inúmeras injustiças ou que as delações não venham a cair, que não precisemos aprimorar as ferramentas. Não dou um salvo conduto a tudo que foi feito.
Há movimentos de juízes, promotores aparecendo muito na mídia. Isso é bom para o país? Ter esses personagens famosos?
Precisamos diferenciar o MP do Judiciário. No MP, há uma liberdade de protagonismo. O MP é o advogado da sociedade. Ele defende sua casa, que é a sociedade. Então, o protagonismo do MP é natural, dentro dos limites. Agora, a magistratura é mais rígida, precisa ser observada. Tenho restrições neste caso, até para manifestações públicas dos magistrados, mas é uma opinião pessoal. Entendo que há sim uma exacerbação no Brasil que não se vê no resto do mundo. Antecipação de opiniões e tantos excessos como se vê aqui.
Na semana retrasada, vimos a confirmação de uma filiação de Joaquim Barbosa e também Moro sendo colocado em pesquisas. Como avalia nomes do Judiciário entrando na política?
Uma especulação com Moro é ruim. Se ele saísse para a política, isso macularia o nome da Lava Jato. Já Joaquim Barbosa tem distanciamento considerável do julgamento do mensalão. Aí já há uma legitimidade para ingressar na política.
O membro do Judiciário que pretende se arriscar na política deve, então, passar por esse tempo para se desvincular do mundo jurídico?
Deveria haver uma emenda constitucional propondo uma quarentena, até dependendo da relevância do cargo. Há cargos em que não há uma vinculação com questões políticas. Imagine um procurador da República que atuou na Lava Jato e que de repente ingressa na política. Isso teria um impacto muito grande. Pode ser um caso que não tenha nenhuma relevância. Isso causaria um estrago enorme. Atualmente, não há impedimentos, então é legítimo também que eles tomem essas opções. Temos que avaliar caso a caso. Barbosa já passou um período legítimo longe do Judiciário. Mas o ambiente da política é diferente, há negociações, é um perfil de flexibilidade, não é um exercício de poder unilateral, só lançar seu voto. É algo diferente, com negociação com Congresso, o oposto do que se passa no Judiciário. Barbosa terá que se adaptar.