Fábio Medina Osório, presidente do IIEDE, para O Globo: “A validade da delação premiada”

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Qual delator se disporia a enfrentar um presidente da República em pleno exercício do poder? A JBS, a partir de agora,enfrenta a máquina do governo
POR FÁBIO MEDINA OSÓRIO

O que é um bom acordo de delação premiada? E quais os benefícios que ele pode gerar para a sociedade e para o delator? Sabemos que a natureza da delação provém da celebração de um acordo entre o colaborador e o Estado, para que este possa obter provas contra pessoas autoras, coautoras ou participantes de crimes, nos termos da Lei das Organizações Criminosas (12.85/13). Com certeza, é um meio eficaz de obtenção de provas, sobretudo para desmantelar grandes organizações criminosas.

O objetivo do Estado, ao conceder imunidades a delatores, é atingir o coração das organizações ilícitas, seus grandes líderes e a maior quantidade possível de infratores. Por isso, o valor de uma delação é proporcional ao status dos líderes atingidos e à quantidade e qualidade dos infratores alvejados pelas denúncias. Também há que se avaliar o momento da delação: se o delator revelar informações que as autoridades não possuem, num estágio ainda prematuro do inquérito ou do procedimento investigatório, esses elementos adquirem um valor muito maior, pois sem eles a investigação sequer decolaria. Bem diferente é a situação de um delator acuado, que resolve entregar seus comparsas, por não dispor de outra alternativa.

Na realidade, um delator sempre corre sérios riscos, porque suas informações geralmente constituem promessas e suas acusações podem gerar responsabilidades de toda espécie. As palavras de um delator não bastam. É imprescindível agregar provas. Do contrário, ele perderá seus benefícios. Daí a razão pela qual a homologação do acordo é imediata e de competência monocrática, seja do juiz, seja do relator (quando estiver no tribunal). O princípio da segurança jurídica deve reger essas relações. Critérios racionais presidem os vínculos entre autoridades e administrados ou jurisdicionados, mas isso não significa supressão de espaços discricionários inerentes à negociação de acordos e valorização de elementos ou conceitos indeterminados e extremamente subjetivos. Evidentemente que se deve coibir o uso arbitrário do poder.

No caso da JBS, não há elementos, até agora, ao menos através do noticiário, para se afirmar o exercício arbitrário do poder pelo procurador-geral da República. O acordo travado atingiu autoridades do mais alto calibre nacional e enorme quantidade de políticos, advogados e empresários brasileiros. Impossível dizer, neste momento, que foi um acordo espúrio, propulsor de impunidade, tão somente em razão dos benefícios concedidos aos irmãos Batista. A extensão desses benefícios deve ser proporcional às vantagens potenciais que delações desse porte trazem para a sociedade brasileira. Esse cálculo há de ser feito cuidadosamente.

Qual delator se disporia a enfrentar um presidente da República em pleno exercício do poder? A JBS, a partir de agora, enfrenta a máquina do governo. Será devassada por completo. Atingiu, além do presidente, dois ex-presidentes e outras altas figuras da República. Não discriminou partido político: atingiu a todos, indistintamente. Antecipou-se aos próprios investigadores. Assim, é importante também examinar a questão por outro ângulo: o da relevância desse colaborador. Veja-se que, mesmo tendo errado profundamente, o colaborador está auxiliando a Justiça.

E caso não houvesse a delação, como ficaria o Brasil? Sim, as eventuais mentiras, calúnias ou falsidades contidas nas delações, isso tudo merece apuração. Obviamente, não se pode descartar a responsabilização de delatores, em qualquer processo. Contudo, considero prematuro o questionamento de que o acordo foi mal feito e que gerou impunidade.

Fábio Medina Osório é jurista e foi ministro da Advocacia-Geral da União

Leia o post anterior:
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postado em 06/06/2017 07:18 / atualizado em 06/06/2017 13:14 Rodolfo Costa O Ministério Público Federal (MPF) assinou ontem o acordo...

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