Fonte: Correio Popular
Autor: Bruno Bacchetti
Em pouco mais de dois anos de investigação, a Operação Lava Jato apurou que foram pagos pelos menos R$ 6,4 bilhões em propinas a agentes públicos, no maior escândalo de corrupção do País. Desse total, US$ 800 milhões (cerca de R$ 2,9 bilhões) estão bloqueados em contas bancárias na Suíça, ou quase 50% dos desvios.
De acordo com apuração do Ministério Público Federal, o valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Mais de R$ 659 milhões já foram repatriados ao Brasil.
Os números foram apresentados por Douglas Fischer, procurador da República integrante da força-tarefa da Lava Jato, durante a palestra “Ministério Público e Judiciário: Remédios para um Brasil sem Corrupção”, realizada nesta sexta-feira (6), na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas.
Também participou do evento o advogado e jurista Fábio Medina Osório, que fundamentou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado. A mediação foi do juiz federal Jairo Gilberto Schäfer, diretor do Fórum de Justiça Federal em Santa Catarina.
Fischer ressaltou que a Lava Jato, sozinha, recuperou oito vezes mais recursos que todas as investigações de corrupção existentes na história brasileira.
“Na Lava Jato vimos o funcionamento de várias organizações criminosas. Temos que ter uma nova visão da criminalidade. Crimes de corrupção são tão graves como qualquer outro.”
O procurador também destacou a importância dos acordos de colaboração, conhecidos popularmente como a delação premiada.
Segundo ele, a investigação da Lava Jato avançou graças às formalizações desses tipos de acordo. Até agora foram firmados 49 delações premiadas. Entre os delatores, 12 estavam presos quando fecharam colaboração, equivalente a 24,5% do total, e outros 37, ou 76,5%, ainda estavam em liberdade.
“A obtenção de provas de corrupção é muito difícil, não é um crime cometido às claras e precisa da colaboração do corruptor para indicar como o fato aconteceu”, disse Fischer.
O procurador detalhou como é feito o processo da delação. O primeiro passo é dado pelo próprio colaborador, que procura o Ministério Público e se dispõe a fazer um acordo para revelar o que sabe em troca de redução da pena.
“Ele faz a síntese do que tem a revelar e a partir disso falamos dos benefícios, levando em conta a eficácia da colaboração. Feito isso assinamos o acordo e começamos a colher os depoimentos formais. O juiz analisa e homologa o acordo. Tudo é gravado em vídeo.”
Apesar de negar que o objetivo das investigações é ser um marco no combate à corrupção, ele reconheceu que os resultados obtidos pela Lava Jato são históricos.
“Da parte do Ministério Público não há a preocupação de fazer um marco histórico, nosso objetivo não é esse em hipótese alguma. Mas pelos resultados que estamos tendo nós podemos dizer que sim. Nós temos hoje resultados históricos do combate a corrupção.”
O processo de impeachment de Dilma foi o foco central da palestra de Fabio Medina Osório, advogado e jurista especializado nas áreas de improbidade administrativa e lei anticorrupção. Com o know-how de ter fundamentado o impeachment no Senado, Osório diz que para ele não há dúvidas que a presidente cometeu crime de responsabilidade. Ele reforça, ainda, que o processo de impeachment é também político.
“Procuro destacar que o processo de impeachment, pela sua natureza política se desenrola no parlamento a partir do momento que (a presidente) perde as condições de governança no País”, enfatizou Osório. “Uma democracia supõe o voto para eleger o governante, mas supõe também a prestação de contas contínua.”
Afastamento de Cunha foi excepcionalíssimo, diz Fischer
A suspensão do mandato do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o consequentemente afastamento da presidência da Câmara dos Deputados foi uma decisão histórica. Pela primeira vez um presidente do Legislativo foi afastado de suas funções.
Coordenador do grupo de trabalho da Operação Lava Jato no gabinete do procurador-geral da República, o procurador Douglas Fischer participou do pedido feito pela PGR ao Supremo e reconheceu que o afastamento de Cunha foi uma decisão “excepcionalíssima”, que dificilmente se repetirá com outros investigados que possuem prerrogativa de foro.
“Essa situação é excepcionalíssima e não podemos banalizar os institutos. Prisão ou afastamento cautelar têm que ser usados apenas para situações em que sejam adequados”, explicou Fischer.
Embora outros políticos estejam na mira da Lava Jato, o procurador diz que um eventual pedido para afastamento do cargo acontecerá somente se o investigado estiver atrapalhando o andamento dos trabalhos de apuração e confecção de provas.
“Nós demonstramos que o Eduardo Cunha efetivamente estava prejudicando as investigações e ameaçando pessoas, adotando condutas para inviabilizar a produção de provas. Se outras pessoas atuarem dessa maneira, verificaremos se a situação é idêntica. Se a pessoa é investigada ou não, se tem moral ou não, não cabe ao MP fazer esse juízo político.”
Para jurista, governo comete ‘crime em cima de crime’
“O caso Collor, perto do montante que estamos vendo agora, poderia até ser arquivado. É ínfimo perto desse governo.” A opinião é do advogado e jurista Fabio Medina Osório, especializado nas áreas de improbidade administrativa e lei anticorrupção.
Ele não tem receio em afirmar que a presidente Dilma Rousseff e membros do governo cometeram outros crimes além daqueles presentes no processo de impeachment, que levam em conta somente as “pedaladas fiscais” (adiamento de pagamentos a bancos) e os decretos de suplementação orçamentária sem prévia autorização legislativa.
“Existem muitos crimes praticados que não estão postos na denúncia. Usa-se a máquina (Advocacia-Geral da União) para defender os interesses privados da presidente. Isso para mim, por si só, já é um escândalo. Outra estratégia é confundir a população dizendo que está sendo vítima de injustiça.”
Um dos principais argumentos do governo e seus aliados é o de que não há nenhuma acusação contra a presidente de desviar recursos em benefício próprio. Osório rebate dizendo que a corrupção vai além do desvio de recursos para si.
“A corrupção não é apenas enriquecimento ilícito. O desvio de recursos públicos para campanha eleitoral é um crime ainda mais nefasto”, opinou. Para Osório, é possível dizer que nos últimos anos está havendo maior investigação e punição aos envolvidos em corrupção. Entretanto, ele avalia que a corrupção também avançou.