Medina Osório, ao Conjur: Gravidade dos crimes de responsabilidade justifica impeachment de Dilma

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FÁBIO MEDINA OSÓRIO

A presidente da República enfrenta no Senado Federal processo por crimes de responsabilidade, em razão de ações ou omissões no exercício do cargo, tendo havido emissão de juízo de parcial admissibilidade da denúncia pelo plenário da Câmara dos Deputados, com larga maioria de votos no Plenário.

Agora, existe a possibilidade de instauração de processo de impeachment pelo Senado Federal, com afastamento temporário de Dilma Rousseff do cargo de presidente da República, e a probabilidade de realização de julgamento de mérito da presidente da República pelos crimes apontados.

Nesse contexto, cabe questionar se no processo de impeachment em curso há indicação precisa de quais foram os crimes de responsabilidade praticados pela denunciada, como exige o artigo 85 da Constituição, sem o qual o impeachment poderia ser utilizado como instrumento para a ruptura da ordem democrática vigente, pois inviável tramitar processo arbitrário.

Por essa razão, cumpre analisar:

1) A tipicidade in concreto admitida pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, remetendo-se à interface dos tipos abertos da Constituição da República e Lei 1.079/50 com os demais diplomas legais supostamente violados;

2) O desvalor dos atos dos quais Dilma Rousseff é acusada e de seu resultado, ou seja, quais são os bens jurídicos tutelados pelas normas supostamente afrontadas e os valores, direitos e políticas públicas prejudicados pela conduta da presidente da República.

3) Qual seria o elemento subjetivo do tipo presente na conduta da denunciada, isto é, o dolo ou culpa grave indicativos da prática de crimes de responsabilidade.

Cabe lembrar que Dilma Roussef é acusada da prática de “pedaladas fiscais” no ano de 2015, relacionadas a operações de créditos ilegais concernentes à equalização de juros do Plano Safra perante o Banco do Brasil, comissiva ou omissivamente, com dolo ou culpa grave, em afronta aos artigos 10, números 6, 7, 8 e 9, e 11, números 2 e 3, da Lei 1.079/50, e aos artigos 84, II, e 85, VI e VII, da Constituição da República, tudo de acordo com as demonstrações contábeis do Banco do Brasil do 1º Trimestre de 2015, em que consta a evolução dos valores devidos pelo Tesouro Nacional a tal instituição financeira em relação ao aludido Plano.

A presidente também é acusada da edição de quatro “decretos sem número”, em 27 de julho de 2015, e de dois em 20 de agosto de 2015, abrindo créditos suplementares, todos eles indicando fontes de financiamento incompatíveis com a obtenção da meta de superávit primário, comissivamente, com dolo na conduta, quando se sabia que a meta fiscal estava comprometida, em violação ao artigo 10, números 4 e 6, e 11, número 2, da Lei 1.079/50, artigo 4º da LOA/2015, artigos 8º, parágrafo único, e 9º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, e artigos 85, VI, e 167, V, da Constituição da República, tudo de acordo com os exames do Relatório de Avaliação do 3º bimestre de 2015 e do PLN 5/2015 e respectiva Mensagem (encaminhados ao Congresso Nacional em 22 de julho de 2015), os quais revelariam o reconhecimento por parte do Poder Executivo de que as metas estabelecidas na LDO-2015 (Lei 13.080/2015) não estavam sendo e nem seriam cumpridas.

Para o exame preliminar do recebimento da denúncia pelo Senado, em que vigora o princípio “in dubio pro societate”, não há que se falar em inexpressividade da conduta da denunciada, diante da gravidade dos atos e de seus resultados, pois não é apenas a corrupção consubstanciada no enriquecimento ilícito de agentes públicos que causa danos à sociedade. Afirmar, portanto, que um agente político não se enriqueceu à custa do erário, ou que seria “honesto”, não é o suficiente para qualifica-lo de probo. Torna-se necessário mostrar suas aptidões morais, éticas, e de eficiência mínima para o exercício das funções públicas. Há crimes “invisíveis” que atingem interesses difusos e que, no entanto, podem carregar o conceito de corrupção ideológica.

No tocante a Dilma Roussef, quanto às “pedaladas fiscais”, em continuidade a práticas do ano de 2014, a evolução dos valores devidos pelo Tesouro Nacional ao Banco do Brasil em relação ao Plano Safra, oriundos das operações de crédito ilegais, passaram de R$ 10,9 bilhões, no 4º balanço trimestral de 2014, para R$ 12,7 bilhões, em 31 de março de 2015, e R$ 13,4 bilhões em junho de 2015, apresentando-se despesas contábeis menores do que as efetivamente praticadas, iludindo o mercado financeiro.

A ação também ocultou informações dos especialistas em contas públicas e das agências de classificação de risco, com violação à Lei 1.079/50 e LC 101/00, além de causar danos à economia pelo caráter inerentemente inflacionário da prática, atingindo-se direitos fundamentais de toda a população por irresponsabilidade fiscal, com desvalorização da moeda, aumento dos juros, disparada da taxa de câmbio, aumento da inflação de preços, queda da renda real dos trabalhadores e aumento da pobreza.

Quanto à edição dos seis “decretos sem número”, que juntos somam aproximadamente R$ 95,9 bilhões, sendo R$ 93,4 bilhões de anulação de dotações orçamentárias, R$ 1,6 bilhão de superávit financeiro e R$ 863,6 milhões de excesso de arrecadação, sem a devida autorização do Congresso Nacional e em desrespeito à condição imposta pelo próprio Poder Legislativo no artigo 4º da LOA/15, tratam-se de grave violação de valores basilares ao Estado Democrático de Direito.

Destaca-se neste panorama o controle democrático do Poder Legislativo sobre os limites da programação orçamentária dos gastos governamentais, dotando-se a prática de gravidade suficiente a propiciar a apuração dos ilícitos alegados, dada a inconstitucionalidade, ilegalidade e irresponsabilidade fiscal denotada pela conduta, atentatória aos princípios da separação de poderes, do controle parlamentar das finanças públicas e do respeito às leis orçamentárias, ao constranger-se o Poder Legislativo a aprovar uma meta fiscal que passa a depender da vontade exclusiva da presidente da República, diante do fato consumado e no intuito de evitar o colapso das contas públicas.

É inviável, portanto, sustentar que se trata de “golpe” um legítimo movimento das instituições democráticas de controle, baseadas no devido processo legal, submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal e da opinião pública. Existem imputações típicas, ilícitas, graves, e concretas traduzidas na peça acusatória encaminhada ao Parlamento.

Fábio Medina Osório é advogado, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri e presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE).

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