A Folha de S. Paulo, em sua edição digital, apresenta nesta quarta-feira (16/12) o artigo “A improbidade, o impeachment e o Supremo”, onde Fábio Medina Osório analisa a problemática do impeachment e do papel do STF em seu rito. Confira a íntegra abaixo
A improbidade, o impeachment e o Supremo
Fábio Medina Osório
O impeachment surge na Inglaterra, na Idade Média, como um processo criminal perante o Parlamento. Ao transplantar-se para os EUA, no século XVIII, deixou de ser utilizado como instrumento de punição à pessoa, para traduzir a proteção do Estado contra os abusos da autoridade, seja por ações ou omissões, dolosas ou culposas, tal como proclamado na Constituição norte-americana, no art. 2º, Seção 4ª, que abandonou o modelo inglês.
No Brasil, adotou-se o modelo norte-americano: o impeachment por crime de responsabilidade não tem natureza de processo penal, mas político, ou penal/político, ainda que dotado de características próprias do devido processo legal. Por revestir-se de caracteres mistos (políticos e jurídicos), exige formalidades previstas na Constituição e na Lei 1079/50.
Cabe à Câmara dos Deputados receber, instaurar o processo e aprovar a acusação, e ao Senado Federal o julgamento final. E o Judiciário não pode controlar ou contestar o mérito político do julgamento realizado pelo Legislativo, salvo se houver vícios formais no processo.
Uma causa ampla para impeachment é a improbidade administrativa, modalidade de crime de responsabilidade (Lei 1079/50), que expõe seu autor, quando presidente da República, a processo de perda do cargo.
A improbidade pode ser arguida como forma de má gestão pública, caracterizada por desonestidade ou incompetência administrativa. A origem da expressão – improbitas– indica falta de honra e isso não significa apenas desonestidade, pois alcança a intolerável incompetência administrativa ou gerencial no trato da coisa pública.
Todas as Constituições republicanas contemplaram a improbidade como forma de crime de responsabilidade dos governantes. E a legislação anterior, desde o Império, abrigava a responsabilização dos altos ministros do Rei por inaptidão notória ou desídia habitual, dentre outros ilícitos culposos. Assim, quem não demonstra competência, pode também não ter probidade.
De acordo com a Lei 1079/50, os crimes de responsabilidade têm natureza essencialmente política e, por sua gravidade, atentam contra a probidade na administração e contra os deveres de honestidade ou eficiência que se exigem do governante.
Constitui crime de responsabilidade omitir ou retardar a publicação das leis e resoluções do Legislativo ou dos atos do Executivo. Neste caso, há necessidade de que se faça presente o agir doloso. Porém, de modo mais aberto, noutras hipóteses o legislador silenciou quanto à exigência de atuações dolosas do presidente, tanto que a lei tipificou a conduta de quem procede de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, sem nada mencionar sobre dolo ou culpa. Assim, a improbidade pode caracterizar-se por atitudes intencionais ou não. Pessoas bem intencionadas podem destruir vidas alheias e nações inteiras.
São os parlamentares que julgam o presidente, a partir do processo do impeachment, em que devem constar as acusações e as descrições dos crimes cometidos, o que envolve ilícitos e nexos de causalidade entre ações, omissões e resultados lesivos aos interesses da Nação. O Parlamento, todavia, é soberano na avaliação dos fatos, provas e julgamento, inclusive não se vinculando à narrativa da denúncia, tanto que o voto não é fundamentado (sendo ou não secreto).
Há crimes de responsabilidade que atentam contra as leis orçamentárias ou contra a guarda e legal emprego de dinheiros públicos, ligados à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 10.028/2000), pois houve uma absorção dos ilícitos de irresponsabilidade fiscal pela Lei do Impeachment. Esses ilícitos estão ligados ao princípio da boa governança pública e à eficiência administrativa. Trata-se de exigir dos governantes algo mais do que honestidade: deve-se exigir pautas mínimas de eficiência e correção no proceder, lastreando-se sua sustentação política no Parlamento e no princípio democrático.
Fábio Medina Osório é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE)