Medina Osório, presidente do IIEDE, ao Diário do Grande ABC: “Defender a saída da presidente é golpe”

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Claudinei Plaza/DGABC  Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra

Boa parcela dos brasileiros está insatisfeita com o governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Muitos deles foram às ruas no domingo, inclusive no Grande ABC, pedir o impeachment da governante. Nesse caso, todavia, querer não é poder. Afastar a petista do Palácio do Planalto sem que haja prova de que cometeu crime de responsabilidade nos primeiros dias do segundo mandato seria golpe institucional. A tese é do presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado, Fábio Medina Osório, advogado especialista em Direito Público e ex-promotor de Justiça no Rio Grande do Sul. Em entrevista ao Diário, ele afasta a possibilidade de abertura de processo contra a chefe da Nação mesmo que a Operação Lava Jato, que investiga a partir da Petrobras o maior esquema de corrupção já revelado no País, comprove eventual envolvimento de Dilma no passado: “Cabe verificar o que foi feito em 100 dias e não para trás”. Aos 47 anos, mestre e doutor em sua área, Medina Osório defende teses bastante polêmicas. Como a de que os políticos têm direito a uma margem de erro juridicamente tolerável em suas decisões administrativas. Abaixo, leia os principais trechos da conversa:

A Operação Lava Jato é divisor de águas anticorrupção?
Sem dúvida. Mostra a potência de instrumentos mais modernos usados na investigação, mais precisamente as colaborações premiadas, os acordos de leniência, como o Estado acaba se infiltrando no crime organizado para captar informações e desestabilizar o jogo a seu favor. Obviamente, tem de se ter preocupação quanto aos paradigmas éticos da utilização desses instrumentos, sabendo que na delação premiada, por exemplo, o valor não está na palavra do delator, mas nos documentos que vai aportar ao caderno investigatório.

Surpreende o sr. o grau de corrupção que já se levantou na Operação Lava Jato?
A teoria da corrupção mostra que ela não é um mal dos tempos, mas dos homens. Estudo feito sobre a antiga Roma mostrou que a corrupção da época tinha proporções gigantescas, às vezes muito maiores que qualquer tipo de patologia que se possa perceber nas sociedades contemporâneas. O que temos hoje no Brasil não deixa de ser sinal do funcionamento cada vez mais ativo e independente das instituições fiscalizadoras. O Ministério Público, a Polícia Federal, o Executivo, a Receita. As instituições republicanas no Brasil têm se fortalecido muito nos últimos anos, assim como a liberdade de imprensa e o jornalismo investigativo. A autonomia de todos esses organismos proporciona maior luz sobre as patologias.

Mudar o sistema de financiamento de campanha ajuda a combater a corrupção?
Sempre é um caminho. Está, inclusive, em discussão no Supremo Tribunal Federal. É pauta política extremamente importante. Porque, como se está percebendo que há acusações de que algumas empresas mascararam propinas através de doações de campanha, parece-me absolutamente saudável que se pense em marco regulatório mais restritivo e rigoroso sobre esses caminhos. Afinal, se proporcionam distorções ou não, é preciso se avaliar efetivamente qual é o melhor remédio. Mas é uma pauta que preponderantemente deveria estar no Congresso Nacional.

O sr. defende a tese de que políticos têm direito a uma ‘margem de erro’, algo polêmico. Quem define os limites?
Essa margem de erro juridicamente tolerável existe para todos os agentes públicos, inclusive o Judiciário. Quando uma sentença é reformada pelo Tribunal de Justiça, o agente público que decidiu anteriormente errou. Um erro que se aceita. Agora, qual é a margem de erro que o gestor público tem e que pode isentá-lo, por exemplo, de ação de improbidade administrativa? Temos de cuidar disso porque existem certos instrumentos que têm se agigantado com tal magnitude, que, às vezes, paralisa o gestor público. Ele tem medo. Se decide, toma ação de improbidade. Se discorda do Ministério Público, sofre investigação. É por isso que atos praticados pelos gestores públicos têm de ser corretamente avaliados de forma criteriosa para evitar que haja deformação no princípio da separação dos poderes e, eventualmente, instituições fiscalizadoras passem a dominar o espaço discricionário do Poder Executivo simplesmente por causa de discordância. Temos de definir e delimitar a juridicidade do que pode ser considerado improbidade. Que é grave desonestidade funcional ou grave ineficiência.

E cujas consequências são bastante graves…
Suspensão de direitos políticos, multa pesadíssima, perda de bens, enfim, série de consequências jurídicas que, obviamente, temos de reservar para aqueles que, à luz da proporcionalidade e da razoabilidade, mereçam tais sanções. E não simplesmente para o gestor que, tentando fazer a coisa certa, eventualmente comete equívoco que é inerente à atividade humana. Médicos, advogados, promotores, juízes, todos erram. Por que o gestor público não tem direito a uma margem tolerável de erro?

O que seria tolerável?
Quando você tem uma controvérsia hermenêutica sobre algum tema. Por exemplo, sobre a pressuposta exigibilidade de licitação. Por que isso significaria necessariamente improbidade só porque o gestor tomou uma decisão de forma discrepante do posicionamento do Ministério Público? É caso a caso que se tem de decidir. Vamos falar de qual situação? Decisão sobre o cabimento ou não de licitação? Ou sobre valores de uma desapropriação? Quais são os pressupostos para a tomada daquela decisão? Casos de corrupção, que envolvem pagamento de propina, obviamente não envolvem essa discussão.

Um prefeito que teve as contas rejeitadas não deve automaticamente ser enquadrado por improbidade?
Não pode ser automaticamente. Até porque a análise de conta primeiro passa por discussão quase política: os tribunais de contas e o próprio órgão Legislativo, que tem competência para rejeitar ou aprovar as contas. Obviamente precisa de análise técnica sobre essas causas. Onde é que houve o erro? Houve desvio de recursos ou não? Ou foi ineficiência? A tomada de decisão foi precedida de quais cautelas? Cada vez mais o administrador público adota cautelas. Ele ouviu o procurador? Tem pareceres técnicos? Não tem? Na verdade, olha-se muito a processualidade da tomada de decisão. Tem de ser analisado caso a caso. Não vejo nenhum tipo de relação automática entre decisão dos tribunais de contas e o enquadramento na lei de improbidade ou mesmo nas leis criminais.

Que visão o sr. possui da defesa dos pedidos de impedimento da presidente que tem sido feitos pela população?
Em primeiro lugar, é fundamental estabelecer que o pressuposto central de qualquer processo de impeachment – e é um elemento de juridicidade do processo, que pode ser passível de controle pelo próprio Supremo Tribunal Federal – é o fato de o ilícito de responsabilidade ter sido cometido no curso do mandato. Nada daquilo que está para trás contamina.

Nem eventual problema com contas de campanha?
Nem mesmo isso contamina. É lição elementar que, me parece, tem sido esquecida neste debate. O mandato da presidente Dilma começou há 100 dias. Então, do ponto de vista do impeachment, de responsabilidade, cabe verificar o que foi feito em 100 dias e não para trás. Esse processo é extremamente resguardado. Tem espaço político muito amplo para a discussão, mas esse elemento de juridicidade é passível de controle pelo Supremo Tribunal Federal.

Há elementos para um pedido de impeachment?
Se há, não se tem conhecimento. O que está se falando é pegar lá atrás, quando a pessoa exercia a função ‘X’, ‘Y’ ou ‘Z’, ou mesmo o mandato anterior… Isso é inviável, não é possível. Em termos de processo de impeachment, não existe essa continuidade de ilícitos. Se houvesse essa perspectiva retroativa, aí seria realmente uma espécie de golpe institucional e provavelmente seria barrado no Judiciário.

Dessa forma, o senhor considera o impeachment um golpe?
Considero. Se der essa formatação, de pegar os ilícitos anteriores ao presente mandato, entendo que isso discorda do contorno jurídico do impeachment. Ou seja, é inconstitucional. O Supremo barraria. Não tem cabimento. Não tenho a menor dúvida. O impeachment, como todo processo de responsabilização, tem elemento político muito forte, mas não pode ser arbitrário. Do contrário, pode se transformar em espécie de golpe. Golpe revestido de institucionalidade. 

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