Ouvi, certa vez, que os japoneses podem ser condenados à proibição do uso de aparelhos celulares. Uma solução bastante inventiva do ponto de vista do direito penal, não é mesmo? De fato, para algumas pessoas seria um suplício ter de se afastar do seu smartphone.
Do lado de cá do mundo, nós outros costumamos associar a ideia das penas alternativas ao pagamento de cestas básicas.
No próximo ano, completam-se 20 anos da Lei dos Juizados Especiais, norma que gerou o primeiro movimento de aplicação em massa de penas e medidas alternativas no Brasil. Estima-se que mais de 800 mil pessoas estejam cumprindo sanções dessa natureza. Outras 145 mil estão em prisão domiciliar. Pouco a pouco, sem alarido, as alternativas ao cárcere tornaram-se realidade.
Obviamente, números dessa ordem trazem muitos problemas, a exemplo da dificuldade de fiscalização.
Pergunto-me antes, porém, por que ainda existe tanta resistência e desconfiança em relação às penas alternativas, seja na sociedade, seja no seio da própria comunidade jurídica. Com essa reflexão, quero sugerir que o problema das penas alternativas coloca-se tanto no plano simbólico quanto no operacional.
Se uma coisa não se pode negar à prisão, é justamente o fato de que o seu mecanismo de sofrimento é de fácil compreensão. O confinamento, o tempo perdido, o distanciamento dos familiares e amigos, a alienação para o mundo, a institucionalização e o estigma, enfim, são elementos poderosos no imaginário coletivo que prescidem de explicações.
O mesmo não se passa com as penas alternativas. Como se pulverizaram em várias modalidades de restrição de direitos, ressentem-se de uma referência.
Considerando que o Senado vem discutindo um novo Código Penal (PLS 236/2012), temos a oportunidade de uma profunda reforma do sistema de penas e medidas alternativas, que poderia seguir três principais caminhos.
Primeiro, dotá-las de uma forte identidade simbólica. Nesse sentido, a “prestação de serviços à comunidade” é a pena que melhor cumpriria tal papel. Nela, estão embutidos o trabalho, o tempo e a utilidade social, contrapartidas relevantes impostas a alguém que tenha praticado crime de menor ou médio potencial ofensivo.
Segundo, simplificá-las. No lugar dos múltiplos labirintos jurídicos que as cercam, fórmulas mais concisas. Como afirma o professor italiano Carlo E. Paliero, a relação entre o número de penas alternativas e sua eficiência é inversamente proporcional.
Terceiro, garantir-lhes autonomia. O Código em vigor fala em “substituição” da prisão por penas restritivas de direitos (art. 44). É como se essas nascessem da costela da pena privativa de liberdade. A centralidade do modelo punitivo continua na prisão. Se, e somente se, preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos, aceita-se a conversão. Restam, assim, sempre incertezas no tocante à concreta aplicação das penas alternativas.
Esse desenho está ultrapassado. Já não consegue responder aos desafios que se põem a esse setor da penalidade. Melhor seria o Código dizer se determinados crimes são punidos diretamente com penas restritivas de direitos (furto, injúria, ameaça, por exemplo). Afinal, não há por que nos envergonharmos das penas alternativas nem escondê-las do grande público.
Fabiano Silveira é conselheiro do CNJ (2013/2015). Doutor em Direito pela UFMG. Consultor Legislativo do Senado Federal.