A chamada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), que acaba de entrar em vigor, prevê sanções a serem aplicadas tanto na esfera administrativa, quanto na judicial, seja por autoridades do Poder Executivo, seja por autoridades do Judiciário, com potencial impacto em termos econômicos, políticos e eleitorais, sob o fundamento de buscar a probidade no meio empresarial.
Mas não procede a afirmação no sentido de que a Lei Anticorrupção seria uma ferramenta inédita para punir pessoas jurídicas no campo do Direito Administrativo Sancionador, porque a Lei 8.429/92 (Improbidade Administrativa) já contemplava a possibilidade de condenar pessoas jurídicas beneficiárias de atos ilícitos contra a Administração Pública, mesmo partícipes ou coautoras.
A chamada Lei Anticorrupção se revela inovadora, isto sim, ao ampliar o espectro sancionatório na esfera administrativa “stricto sensu”, alargando os espaços de atuação das autoridades administrativas.
Na esfera administrativa, poderão ser aplicadas multas no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior ao da instauração do processo administrativo.
Outra consequência é a ampla divulgação da decisão condenatória, com a empresa sendo obrigada a pagar pela publicação de extrato da sentença em meios de comunicação de grande circulação na cidade ou estado onde ocorreu a irregularidade.
Como se pode notar, imensos poderes são outorgados às autoridades administrativas, as quais, no entanto, não gozam de autonomias institucionais, não têm independência funcional nem garantias constitucionais que lhes assegurem imunidades contra interferências políticas. Há riscos de politização das instâncias administrativas no manejo desta Lei? Acreditamos que sim, especialmente diante da profusão de conceitos jurídicos indeterminados na estruturação dos tipos sancionadores.
Relativamente à esfera judicial, prevê o art. 19 que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, bem como o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação de sanções às pessoas jurídicas infratoras.
A aplicação das sanções previstas na nova Lei não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado, tampouco a incidência de outras sanções, tais como aquelas disciplinadas na Lei de Improbidade Administrativa ou na legislação penal aplicável à matéria.
Diante do advento da nova legislação, as empresas podem, em tese, submeter-se a um regime de responsabilidade objetiva (sem a verificação de culpa) pelos atos lesivos praticados por seus funcionários (exclusivamente ou não), a teor do art. 2º da Lei, o que torna imperiosa a elaboração de um programa de compliance, com comitê independente de verificação dos procedimentos anticorrupção e de integridade institucional, de modo a evitar qualquer tipo de relação causal com os ilícitos que eventualmente ocorram por atos isolados dos representantes dessas empresas.
Um dos pontos centrais de qualquer programa de compliance diz respeito à existência de um organismo externo, dotado de autonomias institucionais, para opinar sobre procedimentos e condutas envolvendo as empresas. E precisamente este organismo pode ser um Comitê, com notório saber na matéria, responsável pelas opiniões emitidas e orientações vazadas, inclusive no sentido da proposição de mecanismos e procedimentos internos às corporações, com prerrogativas de controle sobre condutas.
Ainda que se discuta a constitucionalidade de qualquer espécie de responsabilidade objetiva, e de fato é questionável tal previsão, observa-se a importância de as empresas articularem regras harmônicas e coerentes envolvendo probidade empresarial, denotando observância de deveres objetivos de cautela em relação a uma série de condutas e prevenção de problemas relacionados à violação de princípios da administração pública.
Este novo contexto deve ser visto com muita prudência, pois a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência (delação premiada) com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, caso colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo.
Como se vê, é importante que as empresas se organizem, de modo a evitar que proliferem calúnias a partir da indústria do acordo de leniência, de forma deturpada, deteriorando-se relações de confiança necessárias à defesa de interesses coletivos legítimos. Deve-se evitar a “canibalização” de segmentos produtivos, a partir da instrumentalização espúria da Lei n. 12.846/13 como forma de intimidação ou eliminação de adversários.
É preciso haver mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito das pessoas jurídicas que compõem segmentos produtivos da sociedade brasileira. Trata-se de fator que deve necessariamente influenciar na dosimetria das sanções, conforme previsão do art. 7º, inciso VIII, mas, para além disso, pode ser determinante na aferição da relação causal e da tipicidade das condutas tidas como lesivas.
Por disposição do art. 7º, parágrafo único, a matéria será objeto de regulamentação pelo Poder Público Federal, inclusive pelos Poderes Públicos nos Estados e Municípios. Mas em que medida Estados e Municípios regulamentarão essa Lei 12.846/13? A regulamentação dar-se-á de forma harmônica com a legislação federal e a respectiva regulamentação federal? Como será o ambiente de segurança jurídica no Brasil, a partir das eventuais discrepâncias de regulamentação da Lei?
*Fabio Medina Osório, advogado e presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), é autor deTeoria da Improbidade Administrativa, Direito Administrativo Sancionador, e o mais recente Regime Sancionador no Mercado de Capitais