Lei anticorrupção inaugura novo marco regulatório no país, diz Medina Osório

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Entrou em vigor nesta quinta-feira, 29/1, lei anticorrupção (12.846/13), que responsabiliza e passa a permitir a punição de empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública nacional ou estrangeira. A lei foi sancionada em agosto do ano passado.

Para Fábio Medina Osório (IIEDE), passa a existir no Brasil um novo marco regulatório da probidade empresarial com a entrada em vigor da nova norma. O advogado pontua, no entanto, que “uma lei com penalidades severas e conceitos muito abertos, servindo como instrumento para autoridades administrativas destituídas de garantias, pode significar simplesmente um passaporte ao arbítrio e um novo mercado de corrupção.”

Veja abaixo a íntegra da entrevista.

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– Como o senhor vê o novo momento regulatório do estado brasileiro no combate à má gestão pública ?

Entendemos que, a partir da vigência da Lei 12.846/13, em 29 de janeiro de 2014, passa a existir no Brasil um novo marco regulatório da Probidade Empresarial, uma vez que o setor privado se exporá a penalidades administrativas como “multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação” (art.6, I).

A Lei 12.846/13 cria novas e severas sanções, incluindo a publicação da decisão condenatória na esfera administrativa. Não é outra a previsão de seu art. 6º, II, o qual dispõe em seu § 5º que a “publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores”.

Não bastassem as sanções administrativas, a pessoa jurídica pode responder a uma ação civil pública, pelos mesmos fatos, nos termos desta Lei 12.846/13, para sua dissolução judicial, e tudo isso sem prejuízo à incidência da reparação dos danos e de outras sanções impostas por Tribunais de Contas ou pelo Judiciário na aplicação, por exemplo, da própria Lei 8.429/92, que incide igualmente sobre as pessoas jurídicas.

A Lei 8.429/92 prevê sanções pesadas, tais como o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial (quando houver reconhecimento de enriquecimento ilícito, na forma do art.9 desta Lei) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Na hipótese do art. 10 dessa mesma Lei 8.429/92, quando houver lesão ao erário, sem enriquecimento ilícito, a pessoa jurídica está sujeita ao ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

E mesmo que não haja prejuízo ao erário nem enriquecimento ilícito, há muitas ações de improbidade contra pessoas jurídicas calcadas no art. 11 da Lei 8.429/92. Em tais casos, além do ressarcimento integral do dano, se houver, e aqui se trata do dano moral coletivo, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

De uma forma ou de outra, há um espectro regulatório sancionador muito amplo sobre as pessoas jurídicas que contratam com o Poder Público, tudo a exigir novas modalidades de cuidado e prudência nos processos decisórios. É preciso prevenir.

Visualizamos com preocupação este momento, pois os reguladores possuem espaços discricionários extremamente amplos, com conceitos indeterminados, princípios jurídicos, sendo eventualmente possível que se abra um novo espaço de corrupção ideológica ou de abusos e desvios de poder. São prerrogativas muito nobres nas mãos de personagens destituídos de garantias constitucionais ou legais frente às ingerências do Poder Político, havendo necessidade de cautela nesse terreno. 

– O que o senhor sugere que as empresas façam para se proteger nesses novos cenários ?

O novo setor de Compliance para as empresas, à luz da lei 12.846, de 1/8/13, exigirá conhecimentos transdisciplinares altamente especializados, para pesquisas, compilação e análise de informações e estatísticas, de modo a gerar pareceres, legal opinions, emissões de relatórios e sugestões de normativas internas e de alterações nos processos decisórios “interna corporis”. 

Entendemos necessário que as empresas se protejam com ampla expertise na elaboração de relatórios, focando fatos e tendências relevantes para análise de riscos em transações com o Poder Público e contato com funcionários públicos, questões relacionadas com a conformidade às regras prudenciais, investigações de fraude e projetos de segurança interna, além de canais seguros e consistentes de denúncias. 

Sugerimos a expansão das responsabilidades dos pareceristas, na linha, aliás, que já vem sendo trabalhada pelo TCU em decisões envolvendo procuradores municipais.

Por meio do processo de análise e emissão de relatórios, legal opinions, pareceres e sugestões, as assessorias jurídicas deverão auxiliar na identificação das fontes de risco legal, de reputação e segurança, além de fortalecer os níveis prudenciais dos processos decisórios internos, blindando a pessoa jurídica em face da previsão de responsabilidade objetiva constante do art. 2 da Lei 12.846/2013, eis que necessário alicerçar qualquer tipo de responsabilidade em patamares subjetivos (deveres de cuidado observados). 

Contemplar a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, independentemente dos níveis prudenciais adotados, equivale a gerar todo um “mercado” para extorsões e abusos contra o setor privado. 

As empresas devem pensar na definição de ações de longo prazo, protegendo-se contra eventuais passivos e penalidades decorrentes de ações ou omissões de seus funcionários, representantes, dirigentes ou administradores. Acreditamos que, nesse contexto, ficar[a fortalecida a importância da experiência no âmbito investigatório stricto sensu e na estruturação de ferramentas internas institucionais de apuração de ilícitos e correição de desvios, denotando compromisso da empresa em restaurar a sua integridade corporativa.

– O senhor enxerga como positivo esse novo panorama regulatório ?

É positivo pensar no aprimoramento do arcabouço regulatório para coibir a má gestão pública, os desvios, a corrupção e a improbidade, mas não se pode esquecer que, antes da Lei 12.846/13, já havia a Lei 8.429/92, cuja aplicação às pessoas jurídicas é inafastável.

Todavia, não temos no Brasil uma estatística qualitativa que avalie a tipologia das ações de improbidade em curso; causas de procedência ou improcedência; falhas estruturais das investigações; estruturas institucionais investigatórias ou persecutórias; qualidade de atuação das instituições fiscalizadoras. No Brasil, é comum apontar sempre o problema na falta de Leis, quando muitas vezes é na falta de gestão das instituições fiscalizadoras que repousa o real déficit de qualidade.

Uma Lei com penalidades severas e conceitos muito abertos, servindo como instrumento para autoridades administrativas destituídas de garantias, pode significar simplesmente um passaporte ao arbítrio e um novo mercado de corrupção.

Ademais, a nova lei 12.846/13, ao trazer o instrumento do acordo de leniência, permitindo espécie de delação premiada, pode transformar-se em ferramenta política de embate e de pressão dos Poderes Públicos contra o setor privado, se não houver razoabilidade, prudência e garantias em sua aplicabilidade.

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