Um dos mais graves problemas da política brasileira, a improbidade administrativa, tem sido motivo de atenção e estudo do jurista gaúcho e doutor em Direito Administrativo Fábio Medina Osório. Ele, que atuou por 14 anos como promotor do Ministério Público do Rio Grande do Sul, acredita que o Brasil peca por não possuir um setor de estatística que meça a eficiência das instituições, a qualidade das investigações e dos julgamentos.
Segundo o jurista, tais medidas seriam preventivas à corrupção nas gestões públicas e privadas. O jurista alerta que a nova lei da probidade empresarial (12.846/2013), que entrará em vigor em fevereiro de 2014, ajudará a fechar o cerco contra a ilegalidade. Sobre processos jurídicos que envolvem políticos, Medina Osório acredita que a finalidade vai além da punição pelo ato ilícito, envolvendo interesses pessoais e partidários que culminam na destruição da imagem do réu. Confira a entrevista exclusiva concedida ao Diario.
Como foi sua participação no ciclo de palestras sobre improbidade no TRF5?
Nós tratamos da importância das ações de improbidade, do combate à ineficiência sistêmica, de medir o resultado dessas ações através de estatísticas e verificar se os índices de impunidade têm realmente diminuído. Se as instituições têm sido eficientes na atuação ou não, se elas têm feito boas investigações ou não, e que elas não atuem arbitrariamente, mas sejam qualificadas nas apurações dos fatos, nas investigação, na tecnologia, para coibir a má gestão pública. Porque a má gestão pública não é só corrupção, também é a ineficiência.
O senhor acredita que clamor da sociedade pela transparência, aliado às ferramentas hoje existentes, que permitem a troca de dados entre órgãos fiscalizadores, pode ajudar no combate à corrupção?
Eu acho que a comunicação entre as diversas instituições tem sido um caminho fundamental para aumentar o ritmo de atuação. Antigamente uma instituição não sabia o que a outra estava fazendo. Hoje, você tem uma comunicação instantânea entre as polícias, os ministérios públicos, as agências reguladoras, outros tribunais administrativos. Isso possibilita uma atuação com mais velocidade e com uma inteligência muito mais sofisticada também, que eu chamo de articulação interinstitucional que vai fechando o cerco em torno do combate aos ilícitos.
Dentro dessa articulação da interinstitucional é possível fazer um trabalho de prevenção ou só acompanhamento?
É possível fazer prevenção sim. Os tribunais de contas, principalmente, atuam bastante através de consultas. O trabalho de prevenção deve ocorrer cada vez mais a partir das empresas, com seus advogados através de pareceres, aumentar auditorias, aumentar a responsabilidade dos pareceristas, isso é algo que eu defendo. Porque aquele que é contratado para dar um parecer tem que ser responsável pela sua opinião. Se ele está avalizando um determinado comportamento, aquilo ali tem que gerar uma determinada consequência para ele porque ele está, no mínimo, estimulando uma determinada conduta. Então, acho que temos que aumentar a rede de responsáveis.
Existe uma diferença entre a improbidade na esfera pública e na privada ou as ilegalidades são parecidas? Quais as punições para elas?
São parecidas. Existe uma nova lei da esfera privada, a lei da probidade empresarial, a 12.846/2013, que punirá as empresas em até 20% de faturamento bruto anual. Ela entra em vigor em fevereiro e vai impactar muito fortemente em todo o espaço empresarial no Brasil. É uma lei que faz uma interface com a lei 8.429/1992 (que dispõe sobre as sanções aos agentes públicos no caso de enriquecimento ilícito). São leis importantíssimas que estão em sintonia com o movimento global hoje, de tipificar condutas lesivas à administração pública. Mas ela (a de probidade empresarial) dá poderes extremamente amplos às autoridades administrativas, que pode também se transformar em espaço para abuso de poder contra as empresas.
Podemos dizer que o cerco está se fechando com a criação de leis como essa?
Sim. Está se tornando perigoso, mas ao mesmo tempo pode se tornar muito arbitrário. Tem que pensar duas vezes antes de se meter em qualquer situação perigosa de corrupção. Corrupção está se tornando um negócio arriscado no Brasil. Nesse sentido é positivo, esse arcabouço todo. Por outro lado, é preciso pensar que tem que cuidar para não criar um mercado de corrupção do outro lado. Um mercado de corrupção dos reguladores.
Dentro destes crimes de improbidade há alguma coisa que o senhor identifique que esteja acontecendo agora e não acontecia antes? Como avalia o papel das redes sociais na disseminação da notícia?
Acho que temos hoje um cenário diferente, aumentamos muito a exposição do fenômeno com as redes sociais, a liberdade de imprensa, o fortalecimento do jornalismo investigativo. Hoje, com uma câmera na mão superpotente que é o celular, é possível flagrar e fazer a divulgação, não é? Então acho que foi dado luz à sombra. E por outro lado você fortaleceu muito as instituições, como o Ministério Público, a Controladoria Geral da União, os Tribunais, a Polícia Federal também.
O senhor também dá palestras para gestores e empresários. Que tipo de sugestão é dada a eles nesta área que o senhor se especializou?
Acho que cada vez mais os gestores têm que se especializar de assessorias qualificadas, isso pra mim é inevitável. Eles têm que se cercar porque o processo de tomada de decisão hoje em dia é visto e vai ser avaliado, se teve níveis prudenciais corretos ou não. Se teve bons sistemas de controles internos ou não; se cercou dos cuidados necessários. Você pode até errar. A questão não é se você errou ou não, é se errou adotando todas as cautelas ou foi negligente e deixou. As empresas, mais do que os gestores públicos, adotam estruturas sólidas para o processo de tomada de decisão para não ocasionar um risco de exposição da pessoa jurídica.
O Tribunal de Contas daqui do estado, por exemplo, tem julgado com frequência as contas dos gestores por descumprirem o percentual mínimo de investimento na Educação (25%) e na Saúde (15%). Essa irregularidade tem sido comum, não é?
Sem dúvida. Esses percentuais são problemáticos porque dependem muitas vezes dos estados que estão engessados. São percentuais importantes e eles não conseguem cumprir. Às vezes ocorre um desvio de finalidade: você põe a verba em outras áreas e não cumpre esses percentuais. São as chamadas verbas carimbadas. E tem sido considerada improbidade, desviar verbas carimbadas, mesmo para interesse público diverso. Você tem lá previsto para educação X, então, não preciso nem embolsar o dinheiro, se só desviar, deixar de aplica na educação, já está errado. Há muitos gestores que estão sendo enquadrados em ações de improbidade em função disso.
Quais são os casos mais comuns de improbidade que o senhor tem visto?
Desvio de finalidade é um caso muito comum, mas o mais comum é quando há necessidade de realizar uma licitação e eles não fazem. Erram na modalidade ou alegam dispensa ou inexigibilidade para contratar direto, quando era caso de fazer a licitação. Então o Ministério Público entra com ação de improbidade. Agora, acho que cabe ao órgão fiscalizador averiguar se o objeto foi superfaturado ou não. Porque você pode ter deixado de fazer a licitação e contratar direto, mas se o preço praticado foi dentro do mercado a lesividade é menor. Diferente de não ter licitação e o serviço ser fantasma. Isso acontece muito: pagar e o serviço não existir, ou pagar por algo superfaturado. Na investigação é preciso pesquisar se o preço foi ou não superfaturado, verificar se beneficiado foi doador da campanha do gestor. Verificar as relações. O que motivou ele deixar de fazer a licitação?
Mas a nossa legislação oferece muitas brechas, não é?
Tem uma jurisprudencia aqui do STJ que diz o seguinte: “Havendo a prestação de serviço, ainda que decorrente de contratação ilegal, a condenação em ressarcimento do dano é considerada indevida, sob pena de enriquecimento ilícito da administração pública”. Mas aí você vai estimular tudo o que é contratação ilegal? Isso gera um brecha. Será que é correto? Por isso o Ministério Público tem que fazer uma investigação profunda sobre superfaturamento. Quem quer trabalhar bem tem que contornar essa situação (da jurisprudência) desde o começo. E como é que se contorna? Fazendo investigações bem feitas.
O senhor passou 14 anos no Ministério Público, porque as decisões são tão lentas?
Acho que deveria ter uma estatística para medição da eficiência das instituições, não é? Deveríamos ter mais estatísticas para medir a rapidez, a eficácia… A meta 18 do CNJ, por exemplo, sugere uma maior velocidade no julgamento das ações de improbidade, mas ela só gera uma expectativa da produção quantitativa. Se está julgando tudo improcedente ou julgando mal, não sabemos… O importante na verdade é fazer a medição qualitativa, saber como esses julgamentos estão sendo realizados. E mesmo aqueles que são julgados improcedentes, saber o porquê, aonde errou, quem errou…
E quem mediria isso?
O Conselho Nacional do Ministério Público ou o Conselho Nacional de Justiça. Ou autoridades administrativas independentes ou uma ONG… Hoje no Brasil não temos um setor de estatística independente. O Brasil é um país que não trabalha com estatística, por isso é um país miserável do ponto de vista da evolução científica. É um país que vive chutando, não tem números corretos. O IBGE não trabalha na medição das instituições fiscalizadoras. E quem trabalha nisso? O que temos hoje é uma volumetria voltada para o quantitativo. Como podemos pensar no marco institucional no Brasil? Qual e o primeiro passo para melhorar uma instituição? O diagnóstico. É nele que vai ter o que está errado, o que está certo. Mas se não tem isso, fica difícil. Onde estamos errando nas investigações, por exemplo? Vejo que cada instituição se preocupa com as questões corporativas. Acho que a gente tem muito o que melhorar.
O senhor fez a defesa da ex-governadora Yeda Crusius, qual foi a experiencia que retirada dali, de um quase impeachement?
Olha da Yeda foi uma defesa muito dura… Era uma série de players gigantes contra ela. E tivemos também a defesa agora da Rosemary Noronha. São trabalhos sobre pressão, com a mídia toda voltada. São casos diferentes, mas procuramos trabalhar a imagem das pessoas, dar voz a elas, participar um pouco do debate, enfrentar um pouco a pressão, colocar o rosto e defender o cliente. Porque o processo jurídico busca destruir a imagem do político. A finalidade não é só punir e aplicar as sanções, ele é desencadeado para alcançar a imagem e destruir a vida pública daquela pessoa, então é preciso ter um gerenciamento para isso. O processo é uma penalidade autônoma, o réu já está cumprindo a sanção ao responder um processo. Já se tem ônus material, o dano moral e todas as consequências da sanção.
Como jurista, como o senhor viu o julgamento do mensalão?
Tenho dificuldade de opinar na questão do méritos porque não conheço os autos. A teoria do domínio do fato não é relevante aqui. A questão do julgamento político é difícil opinar porque o Tribunal foi nomeado em maioria por indicações do ex-presidente Lula e pela presidente Dilma. Então é difícil julgar por esse prisma, ainda que tenha havido erro no julgamento… Se avaliar a questão política, as nomeações têm relevância. O televisionamento das sessões apresenta duas facetas: o maior acesso da população as julgamentos, uma maior transparência e isso cria uma maior proximidade da sociedade com a instituição e, por outro lado, pode gerar um impacto com a divergência da opinião pública com o tribunal. Não dá pra desprezar isso por completo. Também há de se considerar que a Tribunal originariamente não tem esse tipo de competência, não está acostumado a isso. Então tem outras complicações que podem derivar daí, não é? Também há os componentes emocionais. Dizem que as questões ideológicas influenciam muito no julgamento, eu acredito que as questões emocionais, psicológicas e psiquiátricas têm mais peso do que as ideológicas. Tanto a teoria dos interesses quando a do psicologismo jurídico interferem nas decisões judiciais. Mas isso não só no Supremo Tribunal Federal, mas em todo o judiciário. O que define se você vai pra um lugar ou paro outro? Na seleção das provas? Tem uma formação pessoal, sentimentos, interesses, tem também o trabalho das partes você não é sozinho. Tem que ver o trabalho que foi feito nesse processo todo. Como foi o trabalho dos advogados? Como foi toda a estratégia dos escritórios que trabalharam nisso. Tem que analisar tudo. É um trabalho em conjunto. A quantidade de poderosos indo pra cadeia é muito grande, isso é um ineditismo muito grande. O governo Dilma está gerando uma legislação muito rígida no combate a corrupção, regulando conflitos de interesses que é uma lei nova. É um cerco está se fechando.
As perspectivas do senhor, então, são positivas?
O Brasil está harmonizando com as tendências mundiais. Estamos avançando na questão dos mandatos das agências reguladoras. As perspectivas são positivas. A preocupação agora é criar parâmetros que gerem segurança jurídica. Porque se criarmos agências reguladoras sem parâmetros, vamos deteriorar todas as conquistas que estamos alcançando. Sem segurança jurídica, sem critério dos reguladores tendem a abusar do poder e vão desmoralizar os instrumentos que estão à disposição. A independência funcional é o principio constitucional, mas acho que deveria ter mais trabalhos em conjunto, metas, planejamento, porque se continuar assim, vai dissipar muito os esforços e fragmentar as atuações. As instituições então precisam se organizar mais para poder avançar mais contra o crime organizado, o combate a corrupção, do contrário será um conjunto de iniciativas individuais cada uma a seu modo. Não vamos ter política de estado.
Saiba mais
– Fábio Medina Osório, 46 anos, é gaúcho.
– Aos 24 anos ingressou no Ministério Público do Rio Grande do Sul onde atuou por 14 anos
– Fez doutorado em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri
– Em 1999 lançou seu primeiro livro: Direito Administrativo Sancionador
– Lançou recentemente o livro Teoria da Improbidade Administrativa
– Como advogado, atuou na defesa da ex-governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, acusada de participar de um esquema de corrupção nos exames para expedição da carteira de habilitação que teria resultado em um desvio de R$ 44 milhões aos cofres públicos;
– E na defesa da ex-chefe de escritório da Presidência da República em São Paulo, no governo Lula, Rosemary Noronha, acusada de fraudar pareceres de órgãos públicos para favorecer empresas.
– No final do mês de novembro participou do ciclo de palestra sobre improbidade administrativa, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), no Recife.