Deve-se prestar atenção à lei 12.813, de 16 de maio de 2013, que regula cenários de potenciais conflitos de interesses envolvendo ocupantes de cargo ou emprego no Poder Executivo federal, os requisitos e restrições a ocupantes de cargo ou emprego que tenham acesso a informações privilegiadas, os impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego e as competências para fiscalização, avaliação e prevenção de conflitos de interesses.
O legislador federal avançou fortemente na proteção da ética pública e dos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição, combatendo a patrimonialização das funções públicas e a formação de ambientes propensos à promiscuidade e à corrupção. Mas é importante ter cautela com essa tendência de aumento do espectro sancionatório dos tentáculos estatais, na medida em que pode traduzir novos espaços para corrupção, extorsões ou abusos de poder.
Submetem-se ao regime desta nova lei os ministros, os ocupantes de cargos de natureza especial ou equivalentes, os presidentes, vice-presidentes, diretores ou equivalentes de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, além daqueles que ocupam cargos de grupo de direção e assessoramento superiores, com DAS níveis 6 e 5 ou equivalentes. A expressão “ou equivalentes” abre margem para enquadramento de outras categorias funcionais não descritas na lei.
A lei 12.813/13 considera conflito de interesses o confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública. Essa espécie de função é regida pelos princípios de moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade, de modo que não pode atender, de forma oculta ou subterrânea, em desvio de finalidade, interesses subalternos.
Noutras palavras, é possível aceitar a convergência de interesses públicos e privados em decorrência do exercício de funções públicas. Mas o que preside essas relações é o princípio da publicidade e da transparência, de tal sorte que haja potencial controlabilidade sobre os atos dos agentes públicos e seus interesses.
O legislador institucionaliza um conceito aberto, que deverá ser explicitado caso a caso pelas autoridades administrativas, em especial a CGU ou a Comissão de Ética Pública do Governo federal, em regulamentações específicas. Há duas ordens distintas de normatização emanada do Poder Executivo Federal: as normas infralegais e as decisões sobre os casos individuais. Sem essa explicitação normativa pela CGU e pela Comissão de Ética, não há possibilidade de configuração do suporte fático para ilícitos mais graves.
Na raiz do conflito de interesses está uma transgressão aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência administrativas. O conflito, por si só, pode traduzir um problema ético, moral ou jurídico. E só assumirá contornos de ilícito administrativo se violar princípios norteadores da administração pública e deveres relacionados à boa-fé do agente público no caso concreto. Do contrário, as situações de potenciais conflitos podem ser tantas que, aparentemente, ensejariam múltiplos desdobramentos, com instâncias diversas dotadas de competências para apreciá-los, como ocorre com a esfera política de responsabilidade. Nem todo conflito haverá de configurar automaticamente improbidade administrativa, nos termos da lei 8.429/92, pois será necessário avaliar, caso a caso, a gravidade.