Brasil – Poder investigatório do Ministério Público

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Aniquilar com prerrogativas e poderes de uma instituição tão relevante quanto o Ministério Público, sem um exame aprofundado das causas subjacentes, seria uma temeridade.


No Brasil, as discussões em torno ao formato, prerrogativas e atribuições das instituições republicanas tendem a uma lamentável contaminação por matizes corporativistas. No caso da PEC 37, por exemplo, envolvendo o chamado poder investigatório do Ministério Público brasileiro, percebe-se claramente essa distorção. De um lado, o Ministério Público defende que seu poder investigatório seria a garantia da sociedade brasileira contra a impunidade. De outro, segmentos diversos, entre os quais representantes de corporações policiais, políticos ou mesmo, e até surpreendentemente, o Conselho Federal da OAB, defendem uma atribuição exclusiva das polícias no campo investigativo.


No fundo, trata-se de uma disputa por espaços institucionais, relegando-se  a um segundo plano os autênticos interesses públicos, sociais e difusos. A final, juridicamente, pode-se sustentar a pertinência lógica do poder investigatório do Ministério Público a partir da teoria das competências implícitas. Necessário apenas resgatar um determinado viés hermenêutico, que me parece o mais correto.  Quem pode o mais, pode o menos.  É possível defender, no entanto, uma interpretação na linha da exclusividade policial, partindo-se de premissas hermenêuticas diversas, entre as quais uma aparente literalidade constitucional.  Qual delas deveria preponderar? A PEC 37 seguramente remete toda a discussão para um patamar político, na medida em que dificilmente se poderia reputar como cláusula pétrea o poder investigatório do Ministério Público, conquanto ele, a meu ver, exista hoje na Constituição de 1988 como uma decorrência inevitável de sua titularidade da ação penal pública e de uma visão sistêmica das normas constitucionais.


Se o debate é político, pois envolve um projeto de Emenda Constitucional, parece-me prudente desenhar sua complexidade. Reafirmo que o poder investigatório do Ministério Público não pode ser defendido ou atacado por razões corporativas. Ele deve ser questionado mais profundamente, com o objetivo de verificarmos sua adequação em termos de interesses sociais, públicos e difusos. Não há dúvida de que uma instituição forte, como o Ministério Público, dotada de poder investigatório, amplia, em tese, os cenários refratários à impunidade. Sua independência em relação ao Poder Executivo facilita essa leitura.  Longe de qualquer perspectiva maniqueísta, talvez seja importante ao próprio Ministério Público refletir sobre as causas de um debate tão acirrado no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, ultrapassando a ideia segundo a qual duas espécies de pessoas não gostam do Ministério Público: os ignorantes, porque não o conhecem, e os criminosos, porque o conhecem bem.  As críticas não partem de ignorantes ou de criminosos, mas dos verdadeiros titulares e destinatários de todo o serviço público: os que integram a sociedade civil organizada. Importante fomentar a humildade nas instituições, o que seria um ingrediente valioso nestes debates.


Ressalte-se que algumas questões devem ser melhor aclaradas pelas lideranças institucionais do Ministério Público brasileiro, deslocando o debate do campo político do marketing para o terreno dos conceitos. Qual a qualidade real das investigações da instituição? Quantos expedientes existem no Brasil? Há estatísticas qualitativas em torno ao tema? Qual a tipificação dos objetos investigados? Um levantamento estatístico quantitativo e qualitativo seria importante para aquecer esse debate, pois há quem diga que existe um certo nível de seletividade nas investigações ministeriais. Não se pode diagnosticar a qualidade do trabalho investigativo do Ministério Público sem uma consistente base estatística. Note-se que, a partir de estudos científicos, a ideia aqui defendida não seria a de liquidar, no plano político, o poder investigatório, mas verificar as distorções reais para corrigi-las.


Outros questionamentos relevantes dizem respeito à  coerência das investigações com os trabalhos policiais e à harmonia interinstitucional. Sabe-se que polícias e Ministério Público, ao formarem parte do Estado, devem atuar de modo integrado, inclusive a finalidade do controle externo não é, jamais foi, o da hierarquia, mas, sim, o dos controles recíprocos implícitos à divisão de poderes. Imagine-se um membro do Ministério Público investigando idêntico fato já objeto de investigação policial, com interface de medidas cautelares, tais como busca e apreensão ou escutas telefônicas. Não há necessidade de harmonia, coerência e diálogo entre as instituições? Tem havido essa atuação coordenada?


Quais os resultados já obtidos, no Brasil, a partir de investigações do Ministério Público? Essa indagação  não há de servir de mote para desmoralizar a instituição, mas sobretudo para aperfeiçoá-la. Existem cursos, nos Ministérios Públicos brasileiros, envolvendo técnicas investigativas? O Ministério Público sabe investigar? Nos concursos, essa disciplina, que envolve a Ciência da Investigação Criminal, é exigida dos candidatos?


Como tem sido exercido o poder investigatório do Ministério Público em relação aos seus próprios membros? Quais as estatísticas nas Corregedorias e, muito especialmente, no Conselho Nacional do Ministério Público? Há índices de prescrições?


As perguntas certas devem ser formuladas, para que alcancemos as respostas mais próximas possíveis do interesse público almejado. Existe, sim, uma sensação de que houve, no Brasil, um fortalecimento das instituições fiscalizadoras, e nos últimos anos esse ambiente tem se tornado cada vez mais robusto. Nossa agenda institucional envolve, progressivamente, uma perspectiva de instituições independentes, dotadas de autonomias e prestigiadas em suas prerrogativas, atribuições e garantias.  Não se pode admitir retrocessos políticos, e  certamente seria um retrocesso aprovar a PEC 37 sem um debate mais profundo sobre polícias e Ministério Público no Brasil.


Simplesmente aniquilar com prerrogativas e poderes de uma instituição tão relevante quanto o Ministério Público, sem um exame aprofundado das causas subjacentes, seria uma temeridade.

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