“Há um vácuo jurídico sobre o Fundo dos Estados e o Congresso fica em silêncio”, afirma Gilmar Mendes

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A transferência de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) feita pelo Executivo na quinta-feira foi ilegal, segundo avaliação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. O Congresso tinha até o último dia 31 de dezembro para aprovar uma nova lei com os novos parâmetros de distribuição dos recursos do fundo. Como não houve votação, não há base legal para os repasses. “O fato é que em 31 de dezembro de 2012 a lei deixou de integrar o ordenamento jurídico. Logo temos um vácuo”, afirmou o ministro ao Estado.

 

Gilmar Mendes diz que o STF não pode ser acusado pelo Legislativo de violar a independência dos Poderes quando estabeleceu prazo para a votação do novo FPE ou quando determinou a cassação do mandato dos deputados condenados por envolvimento no mensalão. “O Legislativo não precisa se afirmar ao Judiciário, porque não é o Judiciário que ameaça a sua autonomia”, disse.

 

A lei não foi votada. Como fica a legislação?

 

O fato é que em 31 de dezembro de 2012 a lei deixou de integrar o ordenamento jurídico. Logo, temos um vácuo.

 

O governo pode continuar repassando dinheiro mesmo assim?

 

Essa opção não está à disposição nem do governo nem do Tribunal de Contas da União. Claro que precisamos ter o espírito aberto em razão da delicadeza institucional do tema para que se constitua uma solução.

 

De quem é a responsabilidade? Não é do Judiciário. Veja o dilema em que o Judiciário se encontra: quando ele produz uma sentença aditiva ele é criticado por estar interferindo na separação dos Poderes; quando ele faz o apelo para que se decida num dado prazo não há um encaminhamento adequado.

 

É possível alongar o prazo para que os Estados não quebrem?

 

Sem dúvida nenhuma, essa é uma questão delicada. Isso já tinha sido apontado para justificar a dilação do prazo (para que o Congresso pudesse aprovar uma nova lei), porque não se podia cessar a aplicação da lei naquele momento em razão das consequências que daí viriam. Mas depois de 36 meses temos o silêncio (do Congresso) sob o argumento de que o tema é de difícil solução. É para isso que existe o Legislativo. É para dar conformação a problemas difíceis.

 

O Judiciário foi acusado no fim do ano passado de interferir no Congresso. Isso ocorreu?

 

Se fizermos uma leitura isenta do quadro institucional vemos que não é o Judiciário que ameaça a autonomia do Legislativo. De certa forma, talvez possa haver um descaso na atuação do Legislativo e haja a erosão perpetrada pelas iniciativas do Executivo. Veja que em casos como do FPE o Tribunal não invadiu competências do Legislativo. O STF tem tomado medidas que valorizam o Legislativo, como o poder das CPIs, o direito das minorias, o destrancamento de pauta mesmo com medidas provisórias.

 

A posse do deputado José Genoino (PT-SP) desrespeitou a decisão do STF no julgamento do mensalão?

 

A questão pode ser tratada em diversos planos. No estritamente jurídico não havia como impedir a posse, porque não há decisão com trânsito em julgado. Portanto, não há de se falar na perda dos direitos políticos. E ele também não é atingido pela lei da Ficha Limpa. É até uma incongruência no sistema. Quem estiver condenado não pode se candidatar, mas se já estiver eleito pode assumir o mandato. Mas essa questão deve também ser analisada no plano político institucional. Aí obviamente a questão se coloca num diálogo entre o parlamento e a sociedade.

 

E a cassação do mandato de deputados condenados?

 

O tribunal atuou bem. Se existe uma função que pressupõe a máxima liberdade é a função de parlamentar. Mas vamos imaginar a situação de um parlamentar que tem que negociar com o carcereiro para comparecer a uma das Casas do Congresso. Isso fala por si só.

 

O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), candidato à presidência da Câmara, já disse que não cumprirá a decisão do Supremo sobre os mandatos.

 

O momento agora é de transição das Mesas das Casas. É normal que haja essas afirmações mais contundentes. Mas volto a dizer que talvez o Congresso deva fazer essa reavaliação institucional. Vai se chegar à conclusão de que não é o Judiciário que está a corromper a autonomia do Parlamento. São as medidas provisórias, é a falta de uma agenda legislativa autônoma, a pauta é determinada pelo Executivo. O Brasil precisa de um Congresso forte. O Legislativo não precisa se afirmar ao Judiciário, porque não é o Judiciário que ameaça sua autonomia.

 

Quando as penas do mensalão começarão a ser cumpridas?

 

Há um esforço colegiado para que coloquemos os votos para a publicação do acórdão de imediato. Haverá recursos e a partir daí teremos definição. Não é absurdo que possamos encaminhar isto neste primeiro semestre.

 

As acusações recentes feitas pelo empresário Marcos Valério devem ser investigadas?

 

A Procuradoria-Geral da República fará, como tem feito, a devida avaliação. E se entender que há consistência, tomará as providências devidas.

 

E os demais processos referentes ao mensalão?

 

Nenhum deles foi julgado até agora. Esse é o paradoxo do sistema penal brasileiro. Até então fazia-se o discurso de que todo o problema estava no foro por prerrogativa de função e que a Justiça de primeiro grau era mais adequada para julgar estes processos. O que nós vimos neste caso é que houve uma série de desmembramentos e os processos no primeiro grau não chegaram ainda à sentença. Eu tenho a impressão de que a Procuradoria deve estar a coordenar esse trabalho para acompanhar todos esses casos.

 

E o julgamento do mensalão do PSDB no Supremo? O sr. defende celeridade?

 

Sim. Mas não sei em que estágio ele está. Acho que ainda está na fase de instrução. Mas tem que dar prioridade.

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